sábado, 23 de janeiro de 2016

Anos 30: os anos






Me and my gal, South Louis Blues, Artists and models: estas três obras-primas são a amostra desconcertante não apenas do gênio heteróclito de Walsh, mas sobretudo do horizonte heterogêneo e heteróclito que os anos 30 ofereceram a todos os cineastas ( outros que tem filmes favoritos meus pelos 30 são Dwan e Ulmer). Afinal, do que se trata? Vaudeville, thriller, comédia doméstica, melodrama familiar, paródia ( já tardios no começo de tudo!)...que espécie de demônio carpideiro os coçava para dar à luz estas sínteses aberrantes, pelo menos sob o prisma nosso, trop trop moderne? Holywood nunca foi tão livre, amoral, inteligente, maliciosa, sofisticada e desbundada- em suma: dialética- quanto nestes espécimes a que, sem consolo e sem remédio, chamamos com uma certa displicência leviana ( ou precipitação anacrônica) de "clássicos". Clássicos, como Lourcelles nos dá tanto a entender , são os dialetas dos primitivos ( profundidade de campo de Méliès e Secondo de Chomon que volta no neo-realismo), assim como os modernos são os dialetas dos clássicos. é preciso que alguma coisa permaneça reconhecível por nós, já que a diferença é urdida pelo mesmo material do Mesmo: voilà! e nos anos 30, a máquina ainda não estava devidamente oleada, concertada, bref maquinada ( maquinal).

Comparados a Madame Satã, todos os ulteriores filmes de De Mille são clássicos, mas aqui eu me dou ao luxo de identificar clássico com acadêmico, e  ver que O maior espetáculo da terra poderia ter sido dirigido por um outro diretor igualmente genialmente clássico. Idem os westerns tardios de Walsh e Ford e Dwan.; mas o que fazer por exemplo com os filmes de Ford com Will Rodgers, espécimes muito particulares de kammerspiel bucólicos e irônicos?, que já antecipam a boa televisão? não podemos fazer nada, senão curvarmo-nos a sua singularidade ( de léxico, de Ethos, de Nomos)...é um outro mundo, encapsulado dentro deste outro mundo possível, exuberantemente possível que foram os anos 30, inclusive os do pré-Code ( mas não só). Ouso mesmo dizer que o cinema de Angels have wings, Man to man, os filmes judeus de Ulmer só seriam possíveis numa época em que os judeus tinham acabado de desembarcar na indústria propriamente dita ( Griffth fora um ensaio, Griffth sempre seria um ensaio, um cineasta experimental como poucos: sempre experimentou brilhantemente a si mesmo), ainda despachavam malas, menorás e amantes , e sobretudo tinham os olhos brilhantes ( xcomo os mórmons, como os pentecostalistas, mas estes não se meteram com o cinema) porque a criança judia neles finalmente realizaria a almejada heresia: "não adorarás a imagem de teu Deus". O cinema dos anos 30, talvez o maior cinema do mundo, foi fruto do exílio, da heresia, da pobreza; em suma: de tudo aquilo que foi devidamente desapropriado, desaparecido, violentamente expulso da mídia, televisual e cinematográfica atual. Danem-se! o futuro nos dirá quem venceu.

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